No último domingo (26), mais de 100 pessoas se reuniram no Cemitério do Araçá, no Pacaembu, em São Paulo, para participar de uma visita guiada em homenagem a Eunice Paiva.
O evento, intitulado “Araçá e Suas Vozes”, foi organizado pela historiadora Viviane Comunale e pelo pesquisador Thiago de Souza, idealizador do projeto “O que te assombra?”, que busca explorar as memórias e histórias presentes em espaços como cemitérios.
A visita guiada proporcionou aos presentes uma imersão na história de Eunice Paiva, advogada e ativista que dedicou sua vida à luta pelos direitos humanos, especialmente durante o período da ditadura militar no Brasil.
Seu túmulo, localizado no Cemitério do Araçá, tornou-se um ponto de referência para aqueles que desejam conhecer mais sobre sua trajetória e honrar seu legado.
A história de Eunice ganhou ainda mais visibilidade com o lançamento do filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, que interpreta a advogada. A produção cinematográfica contribuiu para despertar o interesse do público pela vida e obra de Eunice Paiva, impulsionando a visitação ao seu túmulo.
O evento “Araçá e Suas Vozes” oferece aos participantes a oportunidade de conhecer a história do cemitério e de seus ilustres moradores, além de promover uma reflexão sobre a importância da memória e do luto. A visita guiada é conduzida por Viviane Comunale e Thiago de Souza, que compartilham informações e curiosidades sobre o local e seus personagens.
A iniciativa tem atraído um público diversificado, interessado em história, cultura e memória. A visita ao túmulo de Eunice Paiva se destaca como um momento de homenagem a uma mulher que lutou por justiça e igualdade em um período conturbado da história do Brasil.
Cemitério do Araçá
Inaugurado em 1897, o Cemitério do Araçá, localizado entre os bairros de Pinheiros e Pacaembu, é um importante patrimônio histórico da cidade de São Paulo. Sua criação se deu devido à superlotação do Cemitério da Consolação e ao crescimento da imigração italiana na região. O nome “Araçá” deriva da antiga Estrada do Araçá, atual Avenida Doutor Arnaldo.
Além de abrigar o túmulo de Eunice Paiva, o Cemitério do Araçá guarda outras personalidades importantes da história do Brasil, como as atrizes Cacilda Becker e Nair Bello, o empresário Assis Chateaubriand e o milagreiro “Menino Guga”. O local também se destaca por suas obras de arte, assinadas por artistas como Victor Brecheret, Eugênio Prati e Gildo Zampol.
Quem foi Eunice Paiva?
“Ainda Estou Aqui” é uma adaptação do livro homônimo escrito por Marcelo Rubens Paiva. A história se passa na década de 1970, no período mais intenso da ditadura militar no Brasil, e acompanha a trajetória da família Paiva, composta por Rubens (interpretado por Selton Mello), Eunice (vivida por Fernanda Torres) e seus filhos.
Eunice Paiva nasceu em São Paulo e cresceu no bairro do Brás, segundo informações do dossiê Memórias da Ditadura, reunido pelo Instituto Vladimir Herzog.
Eunice se casou Rubens Paiva e os dois tiveram cinco filhos: Marcelo Rubens Paiva, Vera Paiva, Maria Eliana Paiva, Ana Lúcia Paiva e Maria Beatriz Paiva.
A família morava no Rio de Janeiro quando, em janeiro de 1971, os militares foram até sua casa e levaram ela, o marido e a filha Eliana ao Destacamento de Operações e Informações (DOI) do Exército. Eliana ficou presa por 24 horas, enquanto Eunice permaneceu por 12 dias, submetida a interrogatório.
Depois de ter sido liberada pelos militares, Eunice Paiva então começou a busca pelo paradeiro do marido, que nunca mais foi visto.
Ela começou a cursar direito em 1973 e se tornou advogada com forte atuação nas políticas indígenas do país. Paiva também atuou como uma das pessoas que pressionaram o governo para a promulgação da Lei nº 9.140, instituída pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995, que determinou que as pessoas desaparecidas pela Ditadura Militar fossem consideradas mortas e fosse possível, finalmente, que as certidões de óbito fossem emitidas.
Após 25 anos, ela conseguiu apenas em 1996 que o país emitisse o atestado de óbito de Rubens Paiva.
Ainda segundo o Instituto Vladimir Herzog, Eunice Paiva fundou o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), em prol da defesa e autonomia dos povos indígenas, em 1987. Em 1988, foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição Federal Brasileira.
A Comissão Nacional da Verdade, órgão criado para apurar os crimes da Ditadura Militar no país, foi criada em 2012 e, após pesquisa e depoimentos colhidos, elaborou um relatório que buscava responder as famílias dos desaparecidos.
Segundo informações da Comissão da Verdade, Rubens Paiva foi torturado de forma “extremamente violenta”, que “pode ter sido a causa principal da morte”. Isso só se tornou público e a resposta só foi dada à família de Rubens Paiva em 2014.
Eunice Paiva morreu em 13 de dezembro de 2018, aos 86 anos – apenas quatro anos após ter recebido a resposta oficial do que aconteceu com o marido. Coincidentemente, ela também morreu na data que marcou os 50 anos desde a promulgação do Ato Institucional de Número 5 (AI-5), considerado o mais violento da Ditadura Militar e que foi utilizado para legalizar a tortura durante o regime.
Eunice Paiva lutou contra o Alzheimer nos seus últimos 14 anos de vida.